terça-feira, 20 de outubro de 2009

Regresso ao Futuro

João Mattos e Silva *


Este cinco de Outubro de 2009 vai ficar no filme da História da República! Para além da insípida cerimónia nos Paços do Concelho de Lisboa, onde o milionário proprietário José Relvas proclamou o novo regime a umas dezenas de lisboetas, para além das flores da memória na base da estátua do tribuno carbonário António José de Almeida, que foi presidente, para além, este ano, do discurso nos jardins do palácio presidencial para que não ficassem dúvidas de que o presidente não apoiava nem Santana nem Costa, o que toda a gente já sabia, centenas de monárquicos, na sua maioria esmagadora abaixo dos trinta anos, vieram para a rua aos gritos compassados de vi-va-o rei e por–tu–gal, empunhando bandeiras azuis e brancas e T-Shirts onde se lia “Eu quero um Rei. E tu?”

A repercussão, em todos os jornais e televisões, foi enorme. Na blogosfera enormíssima. Nunca, nesta III República, os monárquicos tinham tido uma tão grande visibilidade e tinham feito falar tão claramente na questão do regime. Para ser justo, devo dizer que esta acção da Causa Real foi antecedida, em pleno verão preguiçoso e ensolarado, pela colocação da bandeira da Monarquia derrubada pelo golpe revolucionário e anti-democrático de 1910, na varanda dos mesmíssimos Paços do Concelho de Lisboa, pelo atrevimento de um grupo independente, que se intitulou Dart Vader’s, a que se seguiram acções semelhantes que os secundaram, um pouco por todo o País.

Quem se deu ao trabalho de ler o que se escreveu nos blogs, a propósito destes episódios e da ousadia de contestar o regime prestes a fazer cem anos (afinal, para alguns republicanos ilustres como o Dr. Mário Soares, parece que não deveriam ser bem cem anos, porque há que lhes subtrair os da ditadura militar e os dos Estado Novo, que rejeitam como república, o que daria pouco mais de meio século, não fosse o Estado republicano os contrariar celebrando oficialmente o centenário), ficou ciente dos argumentos utilizados pelos republicanos irritados, para contestar a Monarquia: os privilégios, a igualdade, a democracia e o “regresso ao passado”. Argumentos estafados em que ninguém de bom senso e letrado acredita, olhando o que se passa nas Monarquias europeias, tão ou mais democráticas do que a nossa república e muito mais desenvolvidas económica, social e culturalmente. E ficou ciente de que, para além de uma cassete estafada de cem anos, grande parte recorreu à ordinarice e ao insulto como armas em defesa da República, à boa maneira republicana aliás, como a leitura da imprensa do primeiro decénio do século XX e dos dezasseis anos seguintes, demonstram largamente.

Entre a colocação da bandeira na Câmara Municipal de Lisboa e o 5 de Outubro, decorreu entretanto a guerra, primeiro de meias palavras e depois de um discurso palavroso e incompreensível do actual “inquilino de Belém”, sobre eventual espionagem por parte do governo à presidência, que só veio dar razão a quem, há cem anos, contesta a independência e supra -partidarismo do presidente da República por força constitucional, quando esses altos magistrados do regime, têm origem nos partidos, são apoiados política e financeiramente pelos partidos nas suas candidaturas e actuam, uma vez eleitos, com o argumento da mesma origem de legitimidade eleitoral que o Parlamento, contra os governos que são de ideologia diferente, para tentar contrariar as suas opções políticas legitimadas pelo voto parlamentar. Este episódio é, aliás, e além do mais, o mais caricato argumento do mais caricato filme de espiões, em que nem os espiões são desvendados nem os espionados vencem a “potência” adversária e todos perdem, acabando a fita numa enorme gargalhada.

Quem não quer ver que esta República e os argumentos a seu favor ficaram uma vez mais feridos de morte, talvez se espante se um dia forem os seus presumíveis cidadãos a dizer basta. E, continuando no paralelismo cinematográfico, a dizer que querem “regressar ao futuro”. O filme já está em rodagem.

* Nota: o texto publicado é da exclusiva responsabilidade do autor.

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